Encontrei Alice no País das Maravilhas. Sim, era ela. E eu estava exatamente ali, no país das Maravilhas. Fiquei tão feliz em encontrá-la que desejei ficar ao seu lado eternamente para viver todas as aventuras daquele lugar especial.

Ao ver a minha empolgação, Alice me convidou para um passeio. Foi ali, caminhando entre as ruas e vielas, que vivi os melhores momentos naquele lugar. Ela estava sempre muito alegre e, por isso, riamos, cantávamos e dançávamos feito crianças em um dia de festa. Em meio a tantas brincadeiras, ainda havia tempo para tomar um delicioso chá ao lado de Alice e seus amigos. Eu me sentia tão feliz entre eles que não percebi o tempo passar. Foi então que algo mudou.

Eu estava feliz ao lado de Alice, mas percebi que aquele lugar estava longe de ser o País das Maravilhas. Notei a sujeira, a violência entre os moradores, o sofrimento nos olhos dos idosos e as inúmeras crianças abandonadas. Tentei ignorar tudo aquilo e permanecer alegre. Afinal, os momentos com Alice eram incríveis. Mas um dia eu olhei tão profundamente para seus olhos que pude ver claramente que algo não estava bem. Notei que em seu rosto havia manchas escuras e que suas roupas eram somente trapos remendados, encardidos; e que seus sapatos, que antes pareciam brilhosos e confortáveis, agora estavam se desfazendo de tão gastos. Havia somente duas coisas que negavam sua completa decadência: o sorriso largo e o timbre de sua voz. Como poderia viver ali?

Naquela tarde, enquanto andávamos, Alice narrava as suas –mais loucas aventuras. Ela empolgada e sorridente e eu, cabisbaixa e preocupada. Eu sentia que deveria ir embora, pois já não suportava permanecer naquele lugar. Meu plano era partir naquela mesma noite, mas, para isso, eu precisava levá-la comigo. Abandoná-la seria impossível. Confiante de que ela viria comigo, contei-lhe minha verdadeira intenção. Ao ouvir, Alice revelou um lado no qual eu ainda não conhecia:

Minha pequena, como ousas vir até mim para me tirar daqui? Tens a mesma idade que a minha, sofremos os mesmos problemas e sabes tão bem quanto eu que somos invisíveis. Pretendes me levar para onde? Ainda não percebeu que não há neste mundo um único canto que seja seguro para pessoas como nós? Não me venha com tolices. Somos mulheres e jamais estaremos completamente seguras e protegidas. Me diga. O que queres aqui? Vender mais uma ilusão ou constatar minha completa decadência? Se você não está disposta a lutar ao meu lado, saiba que não és bem- vinda e que é melhor voltar ao teu mundo imediatamente.

A sua sinceridade foi tão gritante que não consegui conter as lágrimas. Neste momento, comecei a sentir um mal-estar tomar conta de mim. Era como se algo estivesse me rasgando por dentro. Enquanto a via se distanciar, o meu corpo era atacado por uma estranha sensação de paralisia. Eu estava em um beco escuro, frio e assustadoramente silencioso, como se o tempo estivesse parado. Minha mente tentava freneticamente compreender as duras palavras de Alice. Estática, olhei para a poça d'água em frente aos meus pés. Ao ver o meu reflexo, algo na imagem me chamou a atenção. Percebi que meu corpo e meu rosto haviam mudado completamente. Um forte arrepio na espinha me fez começar a tremer e, em seguida, passei a sentir movimentos involuntários em minhas pernas e braços. Era como se algo se movesse dentro de mim.

Gritei desesperadamente ao ver que eu estava suja e as minhas roupas eram trapos, exatamente iguais as de Alice. Ao tentar me mover, percebi que meus pés estavam inchados e pesavam como se fossem pedras. Os sapatos, que tentavam protegê- los, eram tão gastos que já não serviam para nada. Aqueles já não eram os meus pés e nada ali parecia-se com aquilo que eu era antes. Desesperada, tentei despertar e sair daquele lugar imediatamente. Fechei os olhos e tentei voltar ao meu mundo, pois sabia que somente lá eu estaria segura. Foi lutando para conseguir retornar ao meu mundo que percebi que o tempo havia retomado suas atividades. Exausta, entendi que jamais retornaria para casa e que a minha doce Alice havia me abandonado. Foi quando perdi completamente a esperança que ouvi uma voz suave ao meu ouvido: seja bem-vinda ao País das Maravilhas, minha querida Alice!