Ao chegar em casa fui direto para a cozinha, retirei meu paletó e coloquei o avental que estava pendurado ao lado do fogão a lenha. O chá precisaria ser servido pontualmente às 17h. Iniciei o ritual, pois tudo deveria estar em perfeita harmônia, ao colocar todos os ingredientes sobre a mesa comecei a preparar a receita que aprendi com minha mãe.

Modo de preparo: Remova com cuidado a camada de julgamento que está impregnada na empatia e só isso deixe-a de molho em água morna, para que amoleça e libere o seu aroma cítrico e calmante. E assim, sucessivamente certifique-se de que o acolhimento está completamente ausente de egoísmo, sim é necessário remover com cuidado e precisão toda a casca de egoísmo que cobre o acolhimento. Em seguida, abra o respeito e limpe minuciosamente, removendo todo o orgulho que houver nele.  A  união de todos os ingredientes em água morna por aproximadamente 40 minutos resulta no mais saboroso chá da Igualdade. A efusão deve ser servida para todos, sem contraindicações.

Com muito cuidado e atenção segui todas as dicas e quando notei faltavam apenas 10 minutos para a hora do chá, tudo estava fluindo perfeitamente e agora já era possível sentir pela casa o cheiro do chá da Igualdade, eu estava empolgado afinal Alice despertaria em breve de seu maior pesadelo e o cheiro do chá amenizaria a sua dor.                                                                                                                  

Às 17h entrei no quarto em que Alice estava e quase deixei a bandeja cair ao perceber que ela já não estava dormindo e que não estava sozinha. Desnorteado com o que eu estava vendo me encostei na beirada da cama, tentando compreender o que eu estava acontecendo. O quarto estava cheio de Alices, todas as Alices, inclusive aquelas que eu havia perdido por não conseguir oferecer o chá a tempo. Elas falavam alto e riam sem parar, estavam felizes com a minha chegada e ansiosas pelo chá. Uma delas veio até mim e disse:  

Que bom que você voltou, estávamos te esperando! Acho que vamos precisar de mais xícaras. Ao final da frase sorriu docemente e saiu rumo a cozinha, minutos depois ela retornou com muitas xícaras na bandeja.  

Ouvindo-as pude perceber, que muitas já conheciam esta receita e sabiam que o segredo para a empatia é remover todo o julgamento e que é preciso retirar por completo o egoísmo contido no acolhimento, pois o egoísmo impede que o acolhimento exale seu verdadeiro cheiro e quanto ao respeito, todas foram categóricas: quanto ao respeito é fundamental remover todo o orgulho entranhado nele.  

A casa emanava um delicioso cheiro de igualdade e todas comemoravam a conquista daquele dia tão importante, o dia delas. Eu estava feliz em saber que as minhas Alices estavam seguras e felizes! De repente notei que algumas delas se movimentavam para partir e imediatamente perguntei o que estava acontecendo, porque elas estavam indo embora? Logo agora que havíamos conseguindo? E Alice me respondeu:

A desigualdade está em todos os cantos por isso o chá precisa ser servido a todos diariamente. E  é nossa missão fazer com ele chegue a outros lares! Muito obrigada e por favor, continue preparando todos os ingredientes eu voltarei com mais Alices. Pegou a chaleira e saiu rumo a rua...

Tic Tac Tic Tac... Crack... um barulho  assustador invadiu o meu quarto...

Repentinamente a casa ficou vazia, ao olhar para meu relógio de bolso constatei que o pior acontecera. O tempo havia se quebrado! Velozmente ajeitei meu peletó e segui pelas ruas para consertar isso. Talvez você não saiba, mas só há uma pessoa capaz de enfurecer o tempo neste reino, a minha Alice. E neste exato momento, enquanto eu lhe explico isso ela está parada no tempo sujeita a toda maldade deste reino.                                    

Hey, você viu a minha Alice? Sabe onde ela pode estar agora? Por favor, me ajude!