Encontrei Alice desconcertada pela milésima vez. Eu já perdi as contas de quantas vezes a encontrei assim. Pobrezinha. Parecia ter sido atingida por uma manada de elefantes. Ao me ver, não demonstrou nenhuma reação. Estava paralisada como uma estátua. É claro que não mencionei o meu choque ao vê-la naquele estado e, como bom amigo que sou, tratei logo de iniciar o ritual de recolhimento.

Eu tinha uma missão muito importante: resgatar a minha Alice de seu sofrimento eterno. Para isso, ela precisaria esquecer o que quer que tivesse vivido. E foi enquanto ela repousava em minha casa que eu me dediquei por longas horas a encontrar os ingredientes necessários para fazer o chá do esquecimento. A combinação dos ingredientes deste chá é capaz de mudar até o mais pesado destino, mas, para que a cura aconteça, é preciso tomá-lo diversas vezes ao dia. Só assim é possível salvar alguém do triste destino de recordar sua tragédia.

E assim corri, corri e corri.

Adentrei a floresta proibida e avancei meio às árvores tão gigantes que me impediam de ver o céu e formavam um labirinto. A ausência de luz era pertubadora e, em poucos minutos de caminhada, o som havia se dissipado completamente. Eu já não percebia qualquer sinal do meu mundo.

Apertei o passo e, a cada metro, sentia que a floresta estava se modificando. Ora as flores caídas pelo chão eram vibrantes e quentes a ponto de queimar meus pés, ora pareciam uma lama que me afundava e dificultava ainda mais o meu caminhar. O silêncio, por muitas vezes, era rompido com gritos e choro. Sem pensar, avancei, avancei e avancei. De repente, enrosquei meu pé em uma grande raíz afincada na terra. Ao cair no chão, notei o primeiro ingrediente secreto. Recebi isto como um sinal de que Alice seria salva. Agora, eu possuía o principal ingrediente: igualdade. Estava no bolso do paletó. Com muito afinco, continuei a procurar entre as árvores. Afundei-me na lama e revirei por horas as folhas secas no chão procurando por: empatia, acolhimento e respeito.

Quando reuni todos os ingredientes, pude perceber que a luz do sol adentrava por entre os galhos de árvores iluminando as folhas no chão e guiavam o meu caminho enquanto os pássaros cantavam sem parar.

Tudo ali parecia celebrar a minha conquista. Olhei para meu relógio de bolso e notei que estava atrasado novamente. Era chegada a hora de retornar. O encontro com Alice aconteceria em breve e eu a salvaria de seu triste destino.