No tapete da pequena sala, debruçada sobre uma folha branca de papel, as mãos seguravam um punhado de lápis coloridos. Ela vivia um dilema que precisava ser resolvido em poucos instantes: qual a cor do próximo desenho? Por alguns minutos, a dúvida entre o azul, o verde ou o amarelo permeava a mente da tímida criança. O que para muitos poderia parecer insignificante, para ela era crucial, já que a cor escolhida transformaria o papel ainda em branco.

O azul dá forma ao mar, aos rios, ao céu. O verde é capaz de trazer vida para árvores e talvez alguns pássaros. O amarelo inventa bolas, flores ou pessoas. Decisão difícil para uma criança de sete anos que cria um universo através de desenhos e vive em um mundo onde as suas poucas e simples palavras não são ouvidas ou compreendidas. E a escrita, que ainda está em desenvolvimento, não lhe permite colocar no papel tudo aquilo que sente. O que lhe resta, então, senão desenhar?

A escolha da cor é importante e os longos minutos para decidir qual será o futuro daquela folha em branco refletem isto.

O azul é a escolha da vez. Ela quer se aventurar pelo desconhecido.

Com as mãos firmes, inicia o que seria o mar, embora ainda não o tivesse conhecido. Já ouvira falar que ele era azul, nas poucas vezes em que pessoas narravam os detalhes do mar. Uma imagem ficou em sua mente quando um dia lhe disseram que o azul das águas se encontrava com o azul do céu, e que lá no final do mar as cores se misturavam, parecendo ser o céu e o mar a mesma coisa. Ao saber, também, que a areia da praia era clara, deixou de lado as cores vibrantes que estavam perto de sua folha e buscou no fundo de seu estojo a cor que daria vida à areia da sua praia. Escolheu um tom de bege e seguiu explorando cada canto da sua imaginação, desenhando detalhes daquilo que poderia ser uma ilha deserta. E o desenho, que antes não possuía forma, passou a preencher os espaços vazios. As mãos já não tinham mais dúvidas sobre a escolha das cores e, assim, a criança, compenetrada em seu próprio mundo, decidiu que na areia da praia os coqueiros deveriam nascer, por já ter visto coqueiros na televisão. E, somente após desenhar o tronco da árvore, o verde surge para dar vida àquelas folhas.

Seguiu desenhando cenários ainda desconhecidos à sua maneira, e o fez com tanta força que a vida se encarregou do resto.

Pés caminhantes, mochilas nas costas, uma vida em uma mala e o mundo a percorrer. O mar para abraçar, a areia da praia para pisar e as mãos, que antes desenhavam cenários imaginários, passavam a tocar cada canto do planeta. Travessias. Sua vida se tornou uma eterna travessia repleta de descobertas.

Novas culturas, novos olhares, sabores, amores e uma eterna saudade – assim viviam os viajantes! Ao visitarem novos cenários, reconhecem os lugares que um dia desenharam no chão de uma sala. E embora tenham deixado de lado os dilemas sobre cores e desenhos imaginários, viviam a eterna questão: qual o próximo destino? Atravessavam o mundo, mas no peito levavam sempre a saudade de ter um tapete no chão da sala para voar com suas páginas a serem preenchidas com desenhos de cenários desconhecidos ainda.

E assim viviam os viajantes: preenchendo as páginas em branco da vida com outras viagens, em diferentes paisagens. Todos carregavam dentro si uma tímida e curiosa criança que anseia conhecer novos lugares e, a cada destino, se encanta com as belezas que um dia ela desenhou sem ao menos conhecer.