Para evitar a angústia que circula incessantemente ao meu redor, evito dar nome aos tempos que vivemos. Descuidadosamente, tropeço ao me lembrar que há um vírus lá fora.

De todos os desafios que vivo, aprender a conviver com o caos é o que mais consome meus dias. Intencionalmente, tropeço entre uma enxurrada de notícias.  

Meu coração inquieto, faz com eu me disponha a tentativas frustradas de produzir algo. Um texto, um conto, um poema, uma pintura, me atrevo a cantar, dançar, desenhar. Após horas, descanso sobre a cama, com um pensamento fixo em minha mente: não sou suficientemente boa para nada disto.  Sou incapaz de criar algo que faça sentido (para mim ou para o outro) neste novo mundo que surgiu há poucas semanas. Sonolenta, tropeço ao perceber que não sei o que fazer com o tempo que transborda.

Decido fazer algo. Crio esboços com desinteresse, escrevo linhas sem sentido, assisto a vídeos sem conteúdo. Acompanho as notícias, números e gráficos que revelam o medo, o caos e a morte evidente, batendo na minha tela, na minha porta. Diariamente.

Faz algumas semanas que vivo em uma eterna briga contra o tempo. O problema é que justamente agora, que o tempo me sobra me falta a capacidade de sentir algo realmente bom e útil ao outro. Me deparo com a escassez, não sou capaz de encontrar em mim algo que possa servir de acalento para aquele que se esconde entre paredes, trancafiado entre janelas e portas. Acho que de tanto me fechar para evitar o contágio, passei a não me contaminar mais com a sensibilidade, com a leveza da vida. Procuro dentro de mim algo que possa oferecer aqueles que assim como eu, se protegem com luvas e máscaras, e medo. Tropeço violentamente no vazio do meu ser. Nada pode ser criado, não há sinais de arte aqui dentro.

Com o passar do tempo me rendo a sensação de esperança. Me permito viver um dia novo, entre velhas paredes. Me empenho na missão de cuidadosamente separar o caos que circula lá fora, do caos que habita aqui dentro. Inevitavelmente tropeço nesta bagunça. Me irrito embora saiba que antes destes tempos estranhos chegarem, o caos já estava presente.  Confortavelmente tropeço no cinismo. Cansada de tamanha oscilação permito me conformar com aquilo que sempre detestei; o conformismo. Preciso aprender a viver com o perigo evidente de não estar mais presente na vida lá fora e de não encontrar (com frequência) vida aqui dentro. Confio que dias melhores virão e entre portas e janelas, tropeço novamente em algo que evito dar nome: tempos de isolamento. Me frustra perceber que foi em vão tentar evitar a angústia.