Cinco anos se passaram desde que comecei a trabalhar nesta agência. Me recordo perfeitamente de que em meu primeiro dia eu me senti tão orgulhosa pela conquista que os 15 segundos de espera dentro do elevador, foram suficientes para me emocionar. Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu estava feliz quando cheguei aqui.

Quando PESSOAS COMO EU são admitidas em agências de comunicação, normalmente, são em cargos específicos para limpeza. Desta vez, não. Fui contratada em uma agência de porte médio em São Paulo e isso é um orgulho imenso.

Entrei como estagiária e em poucos meses fui contratada como assistente. Eu aprendi muito rápido e consequentemente, as grandes responsabilidades foram sendo atribuídas em minhas obrigações diárias, sem perceber, passei a ter responsabilidades de sênior. Mas o meu salário sempre foi “de pessoas como eu.” Aproximadamente 44,4% abaixo. Aqui, até mesmo um funcionário recém contratado, com atribuições menores do que as minhas, entrará ganhando mais do que eu. Lá fora, não é diferente.

Todo fim de mês, o malabarismo terrível para conseguir pagar transporte público, ajudar nas contas de casa, pagar pós-graduação, alimentação, remédios para os meus pais e demais despesas…Quando conversei sobre essa desigualdade salarial, há dois anos, o meu salário foi reajustado e mesmo assim eu continuei recebendo menos do que qualquer homem ou mulher branca lá dentro, embora as responsabilidades nunca tenham sido menores.

Meses atrás tive um Burnout e precisei me afastar alguns dias do trabalho. Sem apoio, decidi me abrir com o meu chefe, confiei nele e expliquei que o isolamento (durante a pandemia) na periferia, é ainda mais complicado. O espaço é pequeno e as condições de trabalho são sempre problemáticas. Falei dos problemas financeiros que são constantes. Finalmente, desabafei não achar certo ser assistente, após 5 anos de empresa e pontuei minhas tarefas e competências.

Em sua resposta, ele disse com todas as letras que era complicado contratar PESSOAS COMO EU e que eu deveria permanecer como assistente, devido as minhas limitações.

Sim. Ele usou o fato de eu ser preta e de periferia como problema e justificativa para não me oferecer um salário justo diante das minhas funções. Mesmo que a agência construa diversas campanhas sobre a conscientização da igualdade de gênero e de cor, eu permaneço aqui, ao “lado” dele e continuo não sendo remunerada da forma correta. Ganho menos que a minha equipe inteira. Sou a única negra da agência e embora tenha todas as qualificações e competências necessárias, não sou “nas palavras dele” merecedora de um salário justo e igualitário diante dos outros funcionários. Para ele, PESSOAS COMO EU, quando não estão servindo cafezinho e limpando, devem sobreviver e permanecer com salários injustos.

Após cinco anos, não há mais emoção ou orgulho em trabalhar aqui. Eu estava feliz quando cheguei aqui, mas meus dias foram preenchidos com racismo, injustiça e machismo. É triste perceber e vivenciar essa realidade: eles estão dispostos a nos contratar e consideram até interessante ter uma pessoa negra na equipe, como forma de representatividade, mas não estão dispostos a nos verem em cargos superiores. É como se eles nos quisessem ali no cantinho, pra sempre, entende? Eu me emociono ao escrever e relatar a minha história, mas não é de orgulho que as lágrimas, desta vez, caem. Eu estava feliz quando cheguei aqui.

Texto escrito especialmente para o projeto: Empatia Criativa.

Disponível em: https://www.empatiacriativa.com.br/post/estava-feliz-quando-cheguei-aqui-pessoas-como-eu

Foto: Denis Oliveira: https://unsplash.com/@denisolvr