Ela acordou com um grande nó na garganta, sentia que sufocaria, talvez fosse com as palavras não ditas. Enquanto caminhou rumo ao banheiro que fica na lateral do seu quarto, entendeu que não.

"Ah se o problema fosse somente as palavras, eu própria resolveria. Gritaria ou falaria manso, usaria palavras educadas ou meteria um palavrão.
Ah se falar resolvesse, eu resolveria!"

No trabalho não disse uma palavra sobre aquilo que sentia, pois sabia: ninguém ouviria e tampouco se resolveria. Suspirou desanimada.

Fingir era o que mais lhe servia e foi de tanto fingir que passou a refletir sobre esta palavra, foi então que percebeu que ela não combina, não se encaixa. Sem poder evitar um pensamento desagradável lhe atacou depressa.
Que engraçado, fingir não soa bem nem na palavra, mas combina com você? Irônico não?

Contrariada afirmou: Sim, é claro que combina! Afinal fingir é igual uma boa e velha camiseta preta, fica bem com tudo. Fingir tá ali, pendurado no cabide do guarda roupa, basta vestir. Não há dúvidas que fingir resolve, ao sair pelas ruas as pessoas te aceitam e lhe dão até bom dia.

Mas precisa fingir tanto? Claro que sim, não seja ingrata. Foi fingindo concordar com tudo o que eles dizem que hoje tens um emprego. Não se iluda, sem fingir eles jamais te contratariam.

E se você falasse? Vai experimenta!

Experimente trocar a cor da blusa. Ouse, dizer que você percebe sim as desigualdades que todos insistem em dizem que não existem, dê como exemplos a violência contra a mulher, o feminicidio. Deixe todos saberem que o problema não é só o salário desigual, tampouco ser interrompida durante suas falas, revele que o que mais lhe assusta são as centenas de mortes, o medo constante para andar nas ruas e o descaso com as vítimas. Vá e fale para todos que você está com o saco cheio! Use uma voz mansa, fale com jeitinho ou diga um palavrão, mas por favor, não se cale.
Nós precisamos de mais um, mais dois, mais três, mais quatro homens que reconheçam que nossas vidas importam, tanto quanto a deles. Para elas diga que nós precisamos muito de mais uma, mais duas, mais três, mais quatro mulheres que acreditam que a igualdade de gênero é o principal caminho para evitar nossas mortes. Opa, espera aí. Você quis dizer saco cheio?

Menina, hoje você está impossível. Mulher de saco cheio? Onde já se viu? Todo mundo sabe que mulher não tem saco, logo ele jamais estará cheio.

O sentimento voltou: sentiu que ia sufocar-se, talvez com as palavras não ditas.
Mas ela já estava cansada de saber:

**Se o problema fosse as palavras, ela mesma resolveria.

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