Sentada, sozinha, em uma mesa, ao canto da praça de alimentação do Shopping, observo atentamente as atitudes daqueles que ocupam o outro lado. Após alguns minutos refletindo sobre as atitudes e comportamentos daquele grupo, me percebo com olhos cheios de raiva.

Chego a minha conclusão, e embora, não me alegre saber que estou julgando alguém, ainda assim o faço:

Eu sei que não cabe a mim este feito e ainda assim insisto em permanecer com minha lista de incontáveis julgamentos sobre eles, ainda que em meu íntimo eu saiba que talvez, eles sofram tanto quanto eu. Não recuo em meus julgamentos. Permaneço, olhando-os com desprezo.

Eu, que embora não goste de criticar as pessoas, estou aqui fazendo exatamente isto, e às vezes, é como se eu estivesse me traindo, mas o fato é que não sou capaz de não o fazer. Sem culpá-los sinto como se estivesse concordando com tudo o que fazem. Se eu escolho não julgá-los, um sentimento de culpa me corrói. É como se eu concordasse com toda a violência, arrogância, intolerância e sofrimento que eles propagam. Julgo, mas tento não ofender. Permito-me falhar somente internamente e ofendê-los seria demais para mim, seria permitir-me ser igual a eles. Não sou igual. Jamais serei.

Veja bem, eu julgo, mas não os ataco. Faço tudo em silêncio, afinal dizer aquilo que penso, seria ofensivo e isto simplesmente, não é do meu feitio. Ofender, me parece inaceitável. Mas não posso ser alheia a tudo o que eles fazem. Por isso, eu avalio a incoerência, a arrogância, a maldade e a pior de todas as coisas: a falta de inteligência. Em minhas análises, chego a lamentável conclusão de que talvez, nenhum deles seja capaz de pensar de maneira coerente. Silenciosamente defino que todos, sem exceção, são manipulados. E consequentemente, é claro, que, são todos culpados.

Não sei ao certo quanto tempo levei para chegar nesta conclusão. Mas de repente, noto que há algo de errado ao meu redor. Pessoas gritando desesperadas. Choro. Mulheres e crianças ajoelhadas em baixo das mesas. Meu corpo começa a tremer involuntariamente. Me abaixo, tentando, em vão, me proteger de um ataque, que vem deles: o outro lado. Aqueles que julguei que não eram capazes de pensar de maneira inteligente, se rebelaram contra o meu lado. Me encolho na tentativa de que eles não me notem. Agora que sou o alvo, preciso me esquivar dos ataques. Ouço vozes vindo do outro lado, na verdade, são gritos direcionados a mim. As vozes me acusam: manipulada, burra, arrogante, me ameaçam de morte!

Confesso que no início pensei que era um pesadelo e que os meus pensamentos haviam se transformados em palavras. Doce ilusão!

Os gritos e as palavras agressivas são ações concretas e incontroláveis daquele outro lado. O tumulto aumenta rapidamente e não consigo me defender por muito tempo. Estou encurralada e as agressões se intensificam. Começo a me sentir sufocada, impotente e fraca. Luto para me manter consciente, não posso desmaiar aqui. Seria o fim. E embora meu corpo peça para que minha mente se desligue eu insisto em permanecer consciente. Sobrevivo por mais alguns minutos.

Novamente ouço as vozes, agora elas estão muito perto de mim.

Com dificuldade, consigo discernir os argumentos e as risadas do grupo que me espreme contra o chão. Acuada, sem conseguir respirar direito, percebo tardiamente, que o discurso (daquele lado) é o mesmo que nós, (deste lado) usamos. Eu reconheço cada argumento, cada piada, cada comentário ofensivo, disfarçado de posicionamento político. E então começo a perceber que "eles" julgam serem superiores e melhores. Não, não pode ser, eu achei que eles não pensavam!

E então recebo o golpe: o fascismo que vem daquele lado, é o mesmo que eu “educadamente” alimentei aqui dentro. Com palavras educadas, fascismo camuflado de pensamento crítico e de moralidade. Me sufoco ainda mais ao compreender que alimentei em mim aquilo que desprezava neles.

O ar começa a faltar. Não vejo mais sentido em lutar. Paralisada, não consigo me recuperar. Não há em mim, forças para me recuperar desta realidade. Enquanto os joelhos, os chutes e os socos me atingem, me vejo sozinha, manipulada e completamente burra. Como fui tola de não perceber que tanto eles quanto eu, estávamos agindo iguais?

Eles são muitos e eu estou caída sobre o chão, fraca e sem condições de lutar por uma causa. Algo mudou em mim, já não vejo mais sentido em lutar contra aquele lado, que agora se apresenta com as mesmas ações e atitudes que o meu lado.

Meus últimos respiros são acompanhados por um desejo enorme de ter compreendido antes, que não se constrói novas realidades através do ódio, que novas ou velhas ideologias, quando são construídas através da dor alheia, do desprezo, do não respeito as diferenças, não nos fazem mais forte, não nos fazem melhores. Ao contrário, nos fazem igualmente agressivos, mas de lados diferentes. Em meu último minuto, desejo que tívessemos seguido o lado mais pacífico, talvez o caminho do meio, o caminho do diálogo, da democracia. Assim, mais uma vida se encerra. Desta vez, a minha vida.